sexta-feira, 26 de junho de 2015

É BÍBLICO REBATIZAR UMA PESSOA CONVERTIDA PARA ELA SER ACEITA EM OUTRA IGREJA?

Por: Ricardo Guerra.
            Recentes conversas com alguns amigos trouxeram à tona uma velha discussão que certamente merece uma análise séria e cuidadosa. Hoje em dia existem enumeras denominações evangélicas, com as mais diversas visões sobre vários assuntos como ceia, batismo, dons do Espírito, entre outros. É costume de algumas seitas utilizarem o texto de Atos 19:1-7 para justificar a necessidade de um novo batismo de pessoas que desejam fazer parte de sua membresia. O que tem gerado grande desconforto é o fato de que até mesmo alguns poucos líderes de igrejas evangélicas, consideradas sérias em sua postura, têm utilizado os mesmos argumentos para exigir que uma pessoa já convertida e batizada receba um novo batismo para serem aceitas em seu rol de membros.
            Para analisar estas questões vou tentar responder objetivamente as seguintes perguntas: de acordo com a Bíblia, qual o requisito para uma pessoa ser batizada? O que representa o batismo na Bíblia? Qual a forma correta do batismo? Existe alguma situação que justificaria um rebatismo? O batismo teria alguma relação com a aceitação do conjunto de doutrinas de alguma denominação? Uma pessoa que não batizou em uma igreja estaria impedida de estar em “comunhão plena” com esta igreja?
O significado do Batismo.
            O batismo juntamente com a Ceia do Senhor são as únicas duas ordenanças deixadas por Jesus. Embora houvessem outros rituais relacionados a alguma forma de batismo entre o povo judeu, foi somente João Batista (ou seja, o que batiza) que trouxe uma ideia mais próxima do que viria a ser o batismo cristão instituído e ordenado por Jesus (Mateus 28:19,20). A palavra de Deus nos informa que o batismo de João era um rito de preparação que apontava para Jesus como o Messias que havia de vir ao passo que o batismo cristão olhava para o Cristo que já veio e cumpriu sua obra redentora (Atos 19:4,5). Portanto o batismo cristão nada mais é do que uma forma de testemunhar publicamente que a pessoa recebeu a Cristo como Senhor e Salvador de sua vida, e que a partir desse momento ela não vive mais para o mundo, mas sim para o seu Salvador (Romanos 6:1-4). Desse modo, o requisito para uma pessoa ser batizada é crer no plano de salvação de Deus através de Jesus, apenas isso, como será demonstrado mais a frente neste artigo.
            Existe uma antiga discussão sobre qual seria a forma correta de realizar o batismo, sendo as mais comuns, a imersão na qual a pessoa é completamente mergulhada em água, e a aspersão onde se derrama um pouco de água na cabeça da pessoa. É necessário fazer menção desse ponto devido ao fato de que muitas vezes o rebatismo é exigido exatamente porque a pessoa que muda de uma igreja evangélica talvez tenha sido batizada de uma forma que não é aceita na igreja a qual ela passa a frequentar. Não é minha intenção fazer aqui uma extensa exposição sobre as duas formas de batismo apresentadas e nem mesmo defender qualquer uma delas pelo simples motivo de que a Bíblia não diz qual o método deve ser utilizado. 
            Os defensores da imersão costumam argumentar que a palavra grega baptismous da qual se deriva batismo em português teria o sentido único de imergir ou mergulhar, mas uma simples olhada em alguns textos do Novo Testamento mostrará que esta palavra também pode ser usada no sentido de aspersão, e de fato foi usada para se referir aos diversos rituais de purificação utilizados no Antigo Testamento. Um dos exemplos mais claros sobre isto é o texto de Marcos 7:4 onde a palavra baptizo é            traduzida por aspergir na versão Almeida Revista e Atualizada. Outros exemplos são os textos de Hebreus 9:10 onde a palavra é vertida por abluções, e claramente está relacionada aos rituais de purificação comumente realizados por aspersão no Antigo Testamento e 1Coríntios 10:2 que diz que os israelitas foram “batizados na nuvem” por ocasião do êxodo. Portanto a palavra baptismous não é determinante quanto ao método a ser utilizado no batismo.
            Alguns textos como o relato do batismo de Jesus no Jordão em Lucas capítulo 3 e de certo eunuco etíope registrado em Atos capítulo 8 transmitem a forte impressão de que esses batismos podem ter sido por imersão. Por outro lado, nos relatos como o batismo de Paulo (Atos 9), do carcereiro de Filipos (Atos 16), do centurião Cornélio (Atos 10) e dos três mil de Pentecostes não são mencionados nenhum método e os contextos parecem indicar que podem ter sido de fato por aspersão, já que aparentemente não havia nenhum batistério em nenhum desses locais, e no caso do carcereiro de Filipos e de sua família, o batismo aconteceu tarde da noite. Visto que não há uma afirmação inequívoca na Bíblia a esse respeito, o que é importante de fato é o ato de batizar, e não necessariamente a forma como esse batismo é feito.
Entendendo esses pontos básicos sobre o batismo podemos agora analisar o texto de Atos 19:1-7.
O texto de Atos 19:1-7.
            Em primeiro lugar vamos olhar o texto principal utilizado pelos defensores do rebatismo, Atos 19:1-7 e seu contexto:

“Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, atravessando as regiões altas, chegou a Éfeso. Ali encontrou alguns discípulos e lhes perguntou: "Vocês receberam o Espírito Santo quando creram? " Eles responderam: "Não, nem sequer ouvimos que existe o Espírito Santo". "Então, que batismo vocês receberam?", perguntou Paulo. "O batismo de João", responderam eles. Disse Paulo: "O batismo de João foi um batismo de arrependimento. Ele dizia ao povo que cresse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus". Ouvindo isso, eles foram batizados no nome do Senhor Jesus. Quando Paulo lhes impôs as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e começaram a falar em línguas e a profetizar. Eram ao todo uns doze homens”.

            De acordo com os defensores do rebatismo, esses discípulos eram pessoas convertidas, porém não tinham alcançado a plenitude do Espírito Santo. Outros acreditam que isso se deu porque havia divergências doutrinárias entre o que eles haviam aprendido como discípulos de João Batista e o ensino cristão, e é nesta segunda teoria que vou focar ao analisar esse texto.
            Para o entendimento correto desse acontecimento e o porquê de Paulo rebatizar estes discípulos é preciso analisar o que antecedeu a este episódio conforme marrado no capítulo 18 a partir do versículo 23. O relato nos diz que “um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, chegou a Éfeso. Ele era homem culto e tinha grande conhecimento das Escrituras. Fora instruído no caminho do Senhor e com grande fervor falava e ensinava com exatidão acerca de Jesus, embora conhecesse apenas o batismo de João” (Atos 18:24,25). Em seguida o relato mostra que um casal de cristãos, Priscila e Áquila, viu este homem ensinando na Sinagoga e o convidou para sua casa para instruí-lo mais corretamente nos caminhos do Senhor (ver. 26). Nada é dito sobre a necessidade de um rebatismo. Depois disso ele partiu dali para a Acaia com cartas de recomendação dos irmãos de Éfeso (vers. 27) e ajudou amplamente a igreja naquele local (vers. 28). 
O capítulo 19:1-7 nos mostra que quando Paulo retornou a Éfeso, ele encontrou alguns “discípulos” que não sabiam da existência do Espírito Santo (vers. 1-4), o que indica fortemente que eles não eram convertidos ao cristianismo. Por esse motivo Paulo os batizou no “nome do Senhor Jesus” (ver. 5) e em seguida impôs as mãos sobre eles para que recebessem o Espírito Santo (vers. 6).

É interessante o comentário de D. A. Carson sobre esse texto:

“O primeiro episódio de Paulo na longa estadia (de quase três anos) em Éfeso foi um encontro com alguns seguidores de João Batista. A fama de João tinha evidentemente se espalhado para além da Palestina (Sobre sua importância cf. 1.21,22; 13:16-25; 18.23-28 e Lc 20.5-7). O termo alguns discípulos se refere aos cristãos, mas, uma vez que as pessoas aqui descritas não tinham recebido o Espírito Santo, é mais provável que devam ser consideradas discípulos de João Batista que estavam no “caminho”, mas não muito longe. 2 Sendo o Espírito Santo uma parte importante do próprio ensino de João Batista, a resposta desses homens de que nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo provavelmente significa que eles tinham ouvido uma versão da mensagem de João, mas não o próprio João. Além disso, os relatos que eles tinham ouvido concentravam em seu ensino ético, e não em seu papel de preparar o caminho (para uma exemplo do ensino de João Batista, v. Lc 3:7-14). 3. Essas pessoas tinham recebido o batismo de arrependimento, que era em si uma coisa boa, mas, diferentemente de Apolo (18-25), parece que nada sabiam sobre Jesus. Nada nos é dito sobre a necessidade de Apolo ser batizado novamente (Priscila e Áquila certamente teriam sido autorizados a batizá-los se Ananias pode batizar Paulo, At 19.17-19). A diferença provável é que Apolo conhecia e confiava no Messias (Seu conhecimento sobre o Messias era correto, ainda que incompleto; 18:25,26) e via seu batismo em conexão com essa fé, enquanto para esses discípulos o batismo era apenas sinal de bom comportamento. Eles ainda precisavam ser batizados em nome do Senhor Jesus (Carson 2012, p. 1648, 1649).

Em adição a isso Warren W. Wiersbe comenta:

“É importante observar que o padrão usado por Deus hoje é apresentado em Atos 10:43-48: os Pecadores ouvem a palavra de Deus, creem em Jesus Cristo, recebem o Espirito Santo imediatamente e, em seguida, são batizados. Os gentios de Atos 10 não receberam o Espírito pela água do batismo nem pela imposição das mãos dos apóstolos (At 8:14-17). O fato de esses homens não terem o Espírito habitando dentro deles comprova que, na verdade, não eram nascidos de novo...” (Wiersbe 2012. Vol. 5. p. 662).
           
            Rússel Shedd também faz uma clara distinção entre o batismo de João e o batismo cristão na nota sobre Atos 19:4,5 em sua Bíblia de estudo: “O batismo de João (Batista) era um rito preparatório, confirmando arrependimento (Lc 3.8) e prontidão para a vinda do Messias. O batismo cristão afirmava a história redentora de Cristo”.
            Portanto, de acordo com esses autores, aqueles discípulos mencionados em Atos 19:1-7 não tinham recebido um batismo propriamente cristão e na verdade não eram convertidos, por isso precisaram ser batizados no nome do Senhor Jesus, ou seja, no batismo cristão.
            Conforme fá foi mostrado neste artigo, de acordo com o Novo Testamento o requisito básico para uma pessoa ser batizada era crer em Jesus como seu único Senhor e Salvador (Romanos 10:9,10), portanto não era exigido que a pessoa na ocasião do batismo tivesse adquirido um amplo conhecimento doutrinário. Na verdade os vastos exemplos de batismos mencionados no livro de Atos dos apóstolos indicam que a pessoa escutava a palavra e era batizada imediatamente. Alguns exemplos disso são os três mil de pentecostes em Atos 2, o eunuco etíope de Atos 8, Cornélio e sua família em Atos 10, Lídia e o carcereiro de Filipos em Atos 16 entre muitos outros. Todos esses exemplos mostram que aquelas pessoas batizadas ainda não tinham um grande conhecimento doutrinário, de fato foram batizados no dia em que ouviram a Palavra. Em nenhum desses casos nos é dito que a pessoa batizava para ser aceito em uma comunidade local ou que ela deveria conhecer as doutrinas dessas igrejas.
            É claro que depois do batismo todas as pessoas receberam uma orientação doutrinária mais sólida em suas respectivas igrejas. Mas com base em todos os relatos mencionados podemos afirmar com convicção que a falta de esclarecimento doutrinário não foi impedimento para ninguém batizar na igreja primitiva. Tudo isso só reforça a suficiência da obra salvadora de Cristo. Podemos dizer então que, conformidade com visão doutrinária de denominação A, B ou C nunca foi um requisito para se receber o batismo. Embora existam hoje várias denominações cristãs com diferentes visões sobre doutrinas, não seria certo da parte de nenhuma destas denominações, exigir que uma pessoa verdadeiramente convertida e que já tenha recebido o batismo no intuito de testemunhar publicamente sua decisão de entregar sua vida para Jesus, seja batizada novamente. Batismo não é para aceitação de visão doutrinária denominacional, é a aceitação de Cristo como único e suficiente Salvador de sua vida. Exigir isso de uma pessoa seria reclamar para si uma exclusividade que não temos como denominação e uma tentativa de usurpar a posição que pertence de direito a Cristo (1Cornítios 1:10-31. Obs: embora esse texto se refira a igreja local ele estabelece um princípio para a igreja como corpo de Cristo). Não estou dizendo com isso que o rebatismo não deva ser feito em nenhuma circunstância. Mas a única situação em que um rebatismo se justificaria, com base em todos os exemplos bíblicos já mencionados, seria se a pessoa que recebeu o batismo não fosse de fato convertida. Em todo caso, ninguém pode determinar para outra pessoa que seu batismo não foi válido. Cada indivíduo deve fazer essa análise entre ela e Deus. Mas em hipótese alguma isso deve ser uma regra de igreja nenhuma. Quem define se o batismo foi válido ou se não, é a própria pessoa diante de Deus. Exigir de uma pessoa convertida que ela receba um novo batismo seria questionar o cristianismo dessa pessoa.
            Em sua oração sacerdotal, Jesus disse: “Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (João 17:20,21). O que Jesus disse a seus discípulos, a saber, “para que o mundo creia que tu me enviaste”, nos mostra que a oração de Jesus, além de sacerdotal, é também uma oração missionária. Enquanto nós como igreja do Senhor, continuarmos criando regras onde a própria Bíblia não as coloca, certamente não estaremos contribuindo para que o “o mundo creia” em Jesus. Segundo Raymond V. Franz, “as divisões surgem quando as pessoas tentam tornar definido, explícito e conclusivo aquilo que as próprias Escrituras deixam indefinido ou sujeito a mais de um entendimento possível. Surgem quando as pessoas transformam em grandes questões ― quando se considera o todo ― coisas de menor importância; quando criam regras a partir do que é simples conselho ou declaração geral de um princípio” (Franz 2008, p. 819). Certamente não queremos fazer de nosso ensino, um “mandamento de homens” (Mateus 15:6,9).

REFERÊNCIAS:

Carson D. A: Comentário Bíblico Vida Nova – Edições Vida Nova, São Paulo, 2012.

Franz, Raymond Víctor: Em busca da Liberdade Cristã – Commentary Press – Atlanta – Geórgia. Primeira edição em português: 2008.

Shedd, Rússel: Bíblia de Estudo Shedd – Edições Vida Nova, São Paulo, reimpressão 2013.

Wiersbe, W. Warren: Comentário Bíblico Expositivo. Vol. V. Geográfica, Santo André, SP, Brasil 2012.

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