sábado, 16 de julho de 2011

RICARDO GUERRA – Minha trajetória e expulsão da religião das testemunha de Jeová


"O erro procura sempre a obscuridade; enquanto que a verdade é sempre realçada pela luz. O erro nunca deseja ser investigado . A luz sempre procura uma perfeita e completa investigação" J. F. Rutheford

Meu primeiro contato com a religião conhecida mundialmente como testemunhas de Jeová aconteceu no fim da década de 1990. Ironicamente a pessoa que me contatou pela primeira vez foi a mesma que sentou em uma “cadeira de juiz” naquilo que seria meu julgamento, condenação e expulsão do movimento. No fim dos anos 90 um homem bem vestido bateu em minha porta e me mostrou um livro pequeno de capa vermelha intitulado, conhecimento que conduz à vida eterna, um título de fato cativante. Ele me mostrou o índice de assuntos e me perguntou qual dos capítulos me chamava mais atenção, visto que ainda era muito jovem e as pessoas falavam muito sobre o fim do mundo logo me interessei pelo capítulo 11, “ESTAMOS VIVENDO NOS ÚLTIMOS DIAS!”, aquele homem educado me convenceu de voltar outro dia para uma consideração do capítulo. Ele voltou, estudamos o capítulo e combinamos de continuar semanalmente a estudar o livro por cerca de uma hora. Estudei por mais ou menos um ano sem demonstrar grande interesse, mas em 2000 senti que precisava de uma experiência mais intensa com Deus, decidi assistir uma das reuniões no Salão do Reino (local de reuniões das testemunhas de Jeová), era um cômodo apertado na casa do próprio homem que me contatara, desde então me simpatizei profundamente pela forma amistosa que fui tratado. Comecei a levar a sério o estudo da Bíblia através do livro conhecimento de modo que em pouco tempo me tornei publicador não batizado (pessoa que faz serviço de pregação de casa em casa). Assisti meu primeiro congresso de distrito em 2000 (grande evento anual de três dias) e na primeira assembléia de circuito (grande reunião anual de dois dias) em 2001 me batizei, sendo então reconhecido oficialmente como uma testemunha de Jeová.
Depois de seis meses me tornei pioneiro regular (ministro que dedica 70 horas mensais ao serviço de pregação) e no ano seguinte servo ministerial (diácono) e por fim em 2007 cheguei a servir na posição de ancião (pessoa madura espiritualmente), embora tivesse apenas 25 anos. Depois de um ano perdi todos esses “privilégios” devido a alguns erros de minha própria parte, mas continuei a me apegar firmemente a tudo aquilo que havia aprendido. Aprendi que aquela era a única religião verdadeira, que todas as outras sem exceção eram religiões falsas, “Babilônia a grande” de Apocalipse 18:4. A organização se gabava por ser os “únicos representantes de Deus na Terra”. Acreditava que realmente estavam em um “paraíso espiritual”.

Todos na organização acreditavam que tínhamos o privilégio de sermos os únicos na Terra capazes de entender corretamente a Bíblia Sagrada. Tudo parecia perfeito, até que um dia me deparei com o que se tornou uma grande contradição nos ensinos da organização, uma contradição que colocaria em dúvida grande parte das doutrinas da religião. Em sua história, desde a década de 1870 quando um homem chamado Charles Taze Russel começou um grupo de estudo bíblico em Pensilvânia EUA, a religião tem sido amplamente criticada por especular várias vezes sobre a data do fim do mundo e da volta de Cristo, (entre as datas marcadas para o fim estão 1873, 1874, 1878, 1881, 1914, 1925 e 1975 entre outras). De todas essas, 1914 se tornou a mais importante, embora se esperasse de fato o fim do mundo e isso não tenha acontecido, naquele ano irrompeu a primeira Guerra Mundial, o que levou os líderes do movimente a interpretar que aguardaram a “coisa errada na época certa”, para eles a guerra era uma evidencia de que a profecia estava se cumprindo. Depois de alguns anos começaram a ensinar que os últimos dias começaram em 1914. O grande problema com todo esse esquema é que essa data depende de um calculo que começa com a data da destruição de Jerusalém pelos babilônios, e a organização ensina que essa data foi 607 AEC (Antes da Era Comum que corresponde a a.C, antes de Cristo), embora a organização apresente isso como um fato, descobri que essa data não tem nenhum apoio histórico. A organização costuma argumentar que essa data está em harmonia com a Bíblia, mas uma análise me mostrou que isso também não é verdade. Desde que fiquei sabendo desse pormenor tentei desesperadamente provar para mim mesmo a veracidade dessa data (607 AEC) por cinco anos, já que sem ela a profecia de 1914 se perdia completamente, e esse é um ensino básico da organização. Quando por fim cheguei a conclusão que esse ensino não tinha nenhum apoio da própria Bíblia, apresentei o resultado de minha pesquisa a um ancião de Goiânia que havia acabado de fazer um mestrado. Ele reconheceu que minha pesquisa estava bem embasada e me incentivou a escrever para a sede das testemunhas de Jeová no Brasil pedindo esclarecimentos, e foi isso que fiz.
Mostrei a carta para alguns anciãos de outras cidades, e principalmente um que atualmente reside em Rubiataba – Go tentou me provar que a data 607 AEC estava correta porém sem sucesso. Quando recebi a resposta da sede ela também se mostrou insatisfatória. Desde então pedi para os anciãos respeitarem o fato de eu não concordar com aquelas especulações, mas eles começaram a me visitar intensamente tentando me fazer aceitar aqueles cálculos baseados em combinações complexas de textos bíblicos completamente fora do contexto. Uma vez percebendo o descaso por parte desses anciãos em corrigir o ensino que claramente estava errado comecei a dar atenção a outros ensinos que de alguma forma me incomodavam. Entre esses o hábito de desassociar (ou expulsar, excomungar) as pessoas. Quando uma pessoa é expulsa da organização todos os membros são proibidos de falar se quer “olá” para o desassociado. Analisei cuidadosamente a suposta base bíblica e descobri que novamente se usava uma combinação de textos fora do contexto para justificar essa completa exclusão social, o que não é apoiado pela Bíblia embora exista sim uma base para disciplina.
Outra questão que se mostrou reveladora foi uma pesquisa histórica sobre as proibições de tratamentos de saúde dentro da organização. Uma questão muito polemica e muito criticada nas doutrinas das testemunhas de Jeová está ligada à proibição de receber transfusões de sangue. (Se alguém perguntar uma testemunha de Jeová se sua organização proíbe as transfusões ela dirá que não, e sim que elas tomam a decisão pessoalmente baseada na Bíblia, no entando se uma testemunha de Jeová aceitar uma transfusão ela será encarada como estando renunciando sua posição como testemunha de Jeová, recebendo o mesmo tratamento de uma pessoa expulsa, isso equivale a organização proibir). O que me intrigou nessa questão foi descobrir que nas décadas de 20 a 50 a organização proibia também as vacinas. Vou citar apenas uma das publicações da organização que comprovam isso:
"As vacinas nunca preveniram nada e nunca o farão, e são a prática mais bárbara.... Nós estamos nos últimos dias, e o diabo está a perder lentamente a sua influência, fazendo entretanto um esforço enérgico para provocar todo o dano que pode, e tais males podem ser-lhe atribuídos.... Usem os vossos direitos como cidadãos Americanos para abolir para sempre a prática diabólica das vacinações." ( tradução da Golden Age [A Idade de Ouro], 12 de Outubro de 1921, p. 17. Obs: Tenho xérox da original)
No início da década de 50 a organização liberou o uso de vacinas, outras publicaçõas das próprias testemunhas de Jeová mostram que transplantes de órgãos também eram proibidos até o fim da década de 60. Existe uma série de contradições na atual proibição de transfusões de sangue. Por falta de espaço vou relatar agora como vim a ser expulso da religião. Quem quiser saber mais sobre essas contradições basta me mandar um email: ricardoguerra06@gmail.com.

Depois que questionei alguns desses assuntos os anciãos começaram a me pressionar para não divulgar essas descobertas, tentaram provar que eu estava passando isso para membros da congregação local, como não conseguiram fazer isso passaram a me acusar de tentar disseminar dúvidas entre os anciãos a quem havia contatado. Fui convocado para um julgamento em um “tribunal secreto” onde estava apenas eu e três anciãos, inclusive o que havia estudado a Bíblia comigo para eu me tornar testemunha de Jeová. Eu havia pedido para ser julgado publicamente, mas uma vez que isso foi negado decidi entregar uma carta de dissociação (desligamento voluntário) e apenas li um parágrafo dessa carta naquele julgamento, esse parágrafo foi retirado da própria revista da organização, a Despertai de 22 de dezembro de 1981 página 17:
Os julgamentos de criminosos eram sem dúvida muito mais rápidos em Israel do que o são atualmente em países tais como os Estados Unidos, onde abarrotados tribunais e processos pormenorizados dão margem a muitos adiamentos. Visto que o tribunal local estava situado nos portões da cidade, não havia dúvida de o julgamento ser público! (Deut. 16:18-20) Sem dúvida, os julgamentos públicos ajudavam os juízes no sentido de exercerem cuidado e justiça, qualidades estas que às vezes faltam nas audiências em tribunais secretos e arbitrários. E o que dizer a respeito de testemunhas?
Nos tempos bíblicos, exigia-se que as testemunhas depusessem publicamente.
Mesmo assim eles disseram que eu não tinha direito de ser julgado publicamente. Mandei a mesma carta que havia escrito para cerca de 150 testemunhas de Jeová, mas apenas algumas poucas me responderam. Na mesma semana alguns amigos me avisaram que receberam um email de uma testemunha de Jeová avisando que meus emails não deveriam ser lidos, pois eu já não era mais testemunha de Jeová. Apenas o medo do poder da verdade poderia levar essas pessoas a agirem dessa forma. Tentaram me julgar secretamente, sem me dar a mínima chance de defesa, depois quando tentei esclarecer meus amigos sobre o que acontecera eles fizeram o máximo para impedir que esse email fosse lido. Termino esse relato dizendo que acredito profundamente na sinceridade de muitas pessoas que estão nesse movimento, mas infelizmente não conhecem essa parte oculta da religião. A todos aqueles que tiverem interesse em obter mais informação sobre esse assunto basta me mandar um email e enviarei as cartas e scan de várias publicações antigas da organização que atualmente a maioria das testemunhas não conhecem. Quero também agradecer a atenção de todos a esse assunto.
Atenciosamente, Ricardo Guerra.