quarta-feira, 15 de julho de 2015

O PAI, O FILHO, E O ESPÍRITO SANTO NO ANTIGO E NO NOVO TESTAMENTO


Por: Ricardo Guerra.

            Particularmente acho bastante interessante a informação contida na brochura “Deve-se crer na Trindade?” publicada pelas Testemunhas de Jeová:

“Se a Trindade fosse verdade, devia ser clara e coerentemente apresentada na Bíblia. Por quê? Porque, como afirmaram os apóstolos, a Bíblia é a revelação que Deus fez de si mesmo à humanidade. E, visto que temos de conhecer a Deus para poder adorá-lo aceitavelmente, a Bíblia deve ser clara em nos dizer quem exatamente ele é”. (Deve-se crer na Trindade? p.5).

            Quando damos uma breve olhada no conjunto de doutrinas defendidas pelas Testemunhas de Jeová, percebemos facilmente que se esse mesmo argumento fosse aplicado às suas próprias doutrinas, a maioria delas cairia por terra rapidamente. Um exemplo disso é a interpretação que diz que Jesus se tornou Rei no céu em 1914. Assim se substituíssemos a palavra “Trindade” por “Cronologia defendida pelas Testemunhas de Jeová” na pergunta acima ela ficaria assim: “Se a “Cronologia defendida pelas Testemunhas de Jeová” fosse verdade, devia ser clara e coerentemente apresentada na Bíblia. Por quê?” Se esse mesmo critério fosse aplicado a esse ensino, apenas essa pergunta seria suficiente para que as Testemunhas de Jeová abandonassem para sempre a cronologia de 1914. Mas vamos deixar de lado a cronologia e olhar para a doutrina do Pai, Filho e Espírito Santo, rejeitada pelas Testemunhas.
            Para falar desse assunto, primeiramente é preciso entender que muitas doutrinas aceitas pelos cristãos verdadeiros não estão prontas na Bíblia, por outro lado foram o resultado de muitas reflexões que em alguns casos duraram anos ou até séculos para serem formuladas. Assim, o fato de uma doutrina não estar pronta na Bíblia não significa que o conceito não esteja presente em suas páginas. Na verdade quando fazemos uma análise cuidadosa da doutrina da Trindade, percebemos facilmente que existe muito mais argumento bíblico a favor desta doutrina do que da cronologia defendida pelas Testemunhas de Jeová. Desse modo, vou tentar fazer uma breve análise do que o Antigo Testamento (Escrituras Hebraicas) contém sobre essa doutrina e depois farei o mesmo como o Novo Testamento (Escrituras Gregas).
            Todos os cristãos verdadeiros sabem que Deus sempre revelou sua verdade de forma progressiva, e até mesmo as Testemunhas de Jeová reconhecem isso. É interessante que quando lemos o primeiro capítulo da Bíblia já podemos encontrar um “sussurrar” a respeito do que conhecemos como a doutrina da “Santíssima Trindade”. Em Genesis 1:26 lemos: “Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão’”.
            É no mínimo curioso o fato de que Deus disse no plural “Façamos o homem à nossa imagem”. Nesse mesmo sentido, um texto que vale a pena analisarmos são os capítulos 18 e 19 de Gênesis, onde Abrão recebe a visita de três anjos. É interessante que dois desses anjos se dirigem em direção à Sodoma onde morava Ló, e Abrão segue conversando com um deles o tratando como “Jeová” (18:22 Tradução do Novo Mundo - TNM). Mais notável ainda é que os outros dois anjos que se dirigiram até Ló e sua família também foram identificados como “Jeová” por ele no capítulo 19 (vers. 18 TNM). Embora esses textos não sejam em si uma prova irrefutável da doutrina da Trindade, eles pelo menos abrem a possibilidade de uma discussão sobre o assunto.
            Outra passagem muito interessante em relação a esse assunto é o capítulo 6 de Isaias. O versículo 1 nos informa que “no ano em que morreu o rei Uzias”, Isaias viu o “Senhor” que a TNM verte por “Jeová”. Também nos chama a atenção a fraseologia usada no versículo 8: “Quem enviarei? Quem irá por nós?”. Podemos notar facilmente o mesmo plural utilizado em Gênesis 1:26. Porém o mais intrigante nesse capítulo é a informação contida nos versículos 9 e 10: “Vá, e diga a este povo: “Estejam sempre ouvindo, mas nunca entendam; estejam sempre vendo, e jamais percebam.
Torne insensível o coração desse povo; torne surdos os ouvidos dele e feche os seus olhos. Que eles não vejam com os olhos, não ouçam com os ouvidos, e não entendam com o coração, para que não se convertam e sejam curados”. De maneira muito curiosa estas palavras são aplicadas a Jesus em João capítulo 12. Depois de demonstrar a incredulidade dos líderes judeus mesmo depois de Jesus realizar uma série de milagres, primeiro João (vers. 38) cita outra texto de Isaías (53:1) também dirigido a “Jeová” (TNM), e em seguida aplica as palavras de Isaias 6:9,10 a Jesus em seu evangelho (12:40): “Cegou os seus olhos e endureceu os seus corações, para que não vejam com os olhos nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure”. É interessante que embora a TNM diga que Isaias “viu a Jeová” (6:1), João 12:41 nos mostra que foi Jesus e sua glória que foram vistos naquele texto. Mais intrigante ainda é o fato de que Paulo aplicou as mesmíssimas palavras de Isaias 6:9,10 ao Espírito Santo em Atos 28:25,26:
“Bem que o Espírito Santo falou aos seus antepassados, por meio do profeta Isaías:
‘Vá a este povo e diga: "Ainda que estejam sempre ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais perceberão”. Portanto podemos relacionar o capítulo 6 de Isaias com o Pai, o Filho e o Espírito Santo de forma muito natural, sem forçar nem um texto a isso.
            Talvez aqui seja importante definirmos um termo que os teólogos chamam de “teofania”, ou seja, as possíveis aparições de Jesus no Antigo Testamento como o “Anjo do Senhor”. Foi provavelmente isso que se deu nos casos de Genesis 18 e 19 e Isaías 6 que analisamos. É interessante que a Bíblia nos apresente a informação clara de que ninguém pode “ver a Deus e permanecer vivo” (Êxodo 33:20). Se entendermos que nas várias aparições de Jeová no Antigo Testamento, quem foi visto na verdade foi o próprio Jesus, João 1:18 fará todo o sentido, de fato Jesus é o “Deus revelado”.
            Creio que outro texto importante nessa discussão seria os capítulos 14 a 16 de João que falam amplamente do Espírito Santo de uma forma muito personalizada (não apenas “personificada” como as Testemunhas de Jeová acreditam), mas não vou fazer uma análise dessa passagem aqui para que esse texto não fique muito extenso, mas recomendo um estudo mais pormenorizado dessa passagem para todos que desejam aprofundar nesse tema.
            É também interessante que as passagens que falam da necessidade de unidade do “corpo de Cristo” que é a igreja cristã, de alguma forma são conectadas ao “Pai”, ao “Filho” e ao “Espírito Santo”. 1Corítios 12: 4-6 é um exemplo disso: “Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos”. É impossível deixar de perceber a menção do “mesmo Espírito”, “Mesmo Senhor” (evidentemente Jesus) e o “mesmo Deus” (o Pai) nestes três versículos. A mesma fraseologia é utilizada por Paulo em Efésios 4:4-6: “Há um só corpo e um só Espírito, assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só;
há um só Senhor, uma só fé, um só batismo,
um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos”. Além disso podemos notar a saudação final de Paulo em 2Coríntios 13:14 também conhecida como “bênção apostólica”: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês”. Todos esses textos nos mostra que a menção do Pai, do Filho e do Espírito Santo nos escritos de Paulo era relativamente comum.
            Muito mais poderia ser dito sobre esse tema através das páginas da Bíblia, mas acredito que para o objetivo desse artigo as passagens que foram analisadas são suficientes para iniciar uma discussão saudável e honesta sobre o tema. Quem sabe podemos aprofundar mais sobre esse assunto em outra ocasião.


Obs.: a menos que haja outra indicação, os textos citados são da Nova Versão Internacional.

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